O GURU E A DIREÇÃO ESPIRITUAL
Swami Yatiswarananda
Necessidade de
treinamento na vida espiritual
...O ideal
que os grandes sábios dos Upanishads colocam diante de nós como propósito de
vida é a auto-realização. Esse ideal de vida não pode ser realizado sem o
despertar espiritual. Contudo, o que se vê no campo religioso são muitos
rituais e cerimônias e muito pouco de verdadeiro despertar espiritual. Por essa
razão a religião verdadeira, que é auto-realização, ficou desacreditada.
Atualmente existe uma abundância de falsos religiosos que fazem alarde de
poderes sobrenaturais e prometem com muita facilidade passaportes para o céu, e
ao mesmo tempo encontramos muitas pessoas preguiçosas que acham muito difícil
lutar pela pureza moral e sempre procuram uma salvação fácil.
O objetivo
mais elevado da vida só deve ser ensinado por aquele que realizou esse ideal,
ou pelo menos por alguém que já tenha se aproximado bastante da meta. Os
Upanishads fazem referência sobre a importância da direção correta na vida espiritual,
quando dizem:
“Muitos
não ouvem nada sobre o Ser. Outros ainda, embora tendo ouvido sobre o Ser, não
O compreendem. Maravilhoso é aquele que fala Dele. Maravilhoso é aquele que
procura aprender sobre Ele. Bendito é aquele que, instruído por um bom mestre,
é capaz de realizá-Lo.
A verdade do Ser não pode ser
totalmente compreendida quando ensinada por uma pessoa de qualidade inferior,
pois existem diferentes opiniões a respeito do Ser. Mais sutil que o mais sutil
é este Ser, que está além de toda lógica. Quando uma pessoa é ensinada por um
mestre que realizou a sua unidade com Brahman, essa pessoa também realiza o
objetivo da vida e torna-se livre da reencarnação.
Que o aspirante espiritual examine com muito
cuidado a natureza efêmera dos prazeres celestiais. Para conhecer o Eterno, ele
deve se aproximar com toda humildade de um guru estabelecido em Brahman e
conhecedor das escrituras. Àquele que se aproxima com reverência, que é
tranqüilo, calmo e auto-controlado, o sábio mestre dá com fé e sem
restrição, o conhecimento que lhe permitirá conhecer o imutável e Eterno Ser.” (Mundaka Upanishad, 1.2.12,13)
Função do Guru
O quer dizer auto-realização? Significa a união do ser
individual com o Ser Supremo. Depois de passar por diversas experiências e
sofrimentos na vida, a alma individual aproxima-se cada vez mais da Alma de
todas as almas e finalmente realiza sua unidade com ela. No Mundaka Upanishad
(3.1.1,2) tem uma interessante descrição desse processo:
“Dois
pássaros de plumagem dourada, companheiros inseparáveis, encontram-se pousados
nos galhos da mesma árvore. O primeiro saboreia os frutos doces e amargos da
árvore; o outro, não saboreia nenhum fruto e observa tudo calmamente. O ser
individual iludido pelo esquecimento de sua verdadeira natureza divina,
envolve-se na vida mundana e sofre. Mas quando reconhece o Senhor e O adora
como seu próprio Ser real, e contempla sua glória, fica liberado de todo
sofrimento.”
Nós nos
esquecemos de nossa verdadeira essência divina. Assim, em vez de nos movermos
em direção de Deus, ficamos afogados cada vez mais na existência mundana. É
necessário que alguém nos lembre de nossa verdadeira e real natureza e aquele
que faz isso é o guru, ou mestre espiritual. A função do mestre é despertar o
discípulo de seu sono imemorial e mostrar-lhe a senda para o Divino. O guru não
atua como um padre cristão, por exemplo, que fica entre Deus e o homem. O significado
etimológico da palavra ‘guru’ é o guia espiritual que dissipa as trevas e traz
a luz. Ele nos desipnotiza ao extirpar as noções falsas que temos de nós
mesmos.
Em uma de
suas parábolas, Sri Ramakrishna fala a respeito do tigre-carneiro. Certa vez
uma tigresa atacou um rebanho de carneiros e devido os ferimentos que o pastor
lhe causou caiu morta ao seu lado, dando luz a um filhote. O pastor
compadeceu-se do mesmo e o criou junto com o seu rebanho. O pequeno tigre
aprendeu a beber leite de ovelhas, a balir e a pastar da mesma forma que os
seus companheiros carneiros faziam. Anos
mais tarde um outro tigre atacou o mesmo rebanho e ficou espantado ao ver um
tigre comportar-se como um carneiro. Agarrou o tigre-carneiro, arrastou-o a um
lago e forçou-o a olhar para o seu reflexo na água. Então o velho tigre colocou
um pedaço de carne na boca dele e disse-lhe que ele não era um carneiro, mas
sim um verdadeiro tigre. Assim o
tigre-carneiro abandonou sua consciência de carneiro e recuperou sua verdadeira
consciência de tigre.
Swami
Brahmananda costumava comparar um mestre com um ministro real. Um pobre homem
pede ao ministro para conceder-lhe uma audiência com o rei, que vive num
palácio com sete portões. O ministro atende o seu pedido e o conduz pelos
portões, um após o outro. Em cada portão encontra-se um oficial ricamente
vestido. Ao passar por cada um dos
portões o pobre homem pergunta ao ministro se aquele oficial é o rei. Não,
responde o ministro, toda vez que isso ocorre, até que ao atravessarem o sétimo
portão, chegam a presença do rei que se encontra sentado com todo o esplendor e
realeza. Então, o pobre homem não pergunta mais nada. O que ele precisava era
de alguém que pudesse guiá-lo pelos portões e corredores do palácio. “Assim é
com o guru”, diz Swami Brahmananda. “Da mesma forma que o ministro do rei, o
guru conduz o discípulo através dos diversos estágios do desenvolvimento
espiritual, até que o deixa em presença do Senhor.”
A
personalidade humana é como um grande palácio com prédios e quintais, uns
dentro dos outros. O Ser Supremo vem a nós na forma de um mestre, fazendo-nos
realizar que não somos o corpo físico, nem a mente, nem os sentimentos, idéias
e emoções, mas sim o Ser Eterno. Quando viajamos para um país desconhecido é
aconselhável que tenhamos um guia para nos conduzir, que conheça o país. O guru
é o guia que nos conduz ao nosso destino e ali nos deixa.
Necessidade de um Guru
Na Índia é reconhecida a necessidade de um guru na vida
espiritual. Quando fui à Europa pela primeira vez, fiquei surpreso ao ouvir que
alguns grupos religiosos afirmavam que podiam comungar e ouvir a voz de Deus
sem qualquer treinamento especial. Estudei alguns casos e descobri, como
esperava, que essas pessoas estavam escutando as suas próprias vozes, que
algumas vezes podiam lhes dar boa orientação.
Deus e a voz divina estão muito distantes de uma alma impura. Uma pessoa
bem treinada, de coração puro, com certeza, pode comungar com Deus, o Ser
interno. Mas quando pessoas impuras e destreinadas declaram a mesma coisa, elas
estão apenas enganando a si mesmas. E ainda assim dizem que não precisam de ajuda
externa. Meu mestre Swami Brahmananda costumava dizer: “Neste mundo, até mesmo
na arte de roubar necessita-se de um mestre.”
Quanto maior deve ser a necessidade de um guru para se obter o supremo
conhecimento, o conhecimento de Brahman!”.
Não há qualquer
mistério nesse ponto. As pessoas procuram Madame Curie quando querem estudar as
propriedades do radium; buscam Rutherford para aprender algo a respeito da
natureza do átomo. No estudo das ciências naturais é necessária a direção de um
mestre competente; assim também na ciência espiritual, a direção de um guru é
absolutamente necessária para que se possa aprender a técnica de realizar o
Ser. No que diz respeito ao espiritual estamos viajando em regiões das quais
nada sabemos. Aqueles que não sentem a necessidade de um mestre; aqueles que
estão sempre muito ansiosos em serem mestres de outros, devem lembrar-se que os
cegos não devem tentar guiar a outros cegos...
Poder da iniciação
espiritual
Sri Ramakrishna diz: “É preciso haver um despertar interno da
alma para que se possa ver a imperecível, imutável e única Realidade.”
Simplesmente ler e falar sobre verdades espirituais não é suficiente. Deve-se
perceber diretamente a Luz interna. Como deve ocorrer esse primeiro despertar?
Um mestre iluminado faz isso para o discípulo através de um processo de
iniciação espiritual. Em todas religiões existem ritos de iniciação que
consistem em banhos, batismos, borrifos de água benta ou óleo, recitações de
textos sagrados, rituais de culto, etc. etc. Essas práticas tornam os iniciados
aptos para os privilégios especiais das comunidades religiosas nas quais são
admitidos como membros. Essa iniciação formal é muito diferente da iniciação
espiritual da qual estamos falando aqui.
Sobre essa
iniciação espiritual é que Jesus estava falando quando disse: “Se um homem não
nascer de novo não poderá ver o reino de Deus.” Nascer novamente quer dizer
passar por um despertar espiritual; parar de identificar-se com o próprio corpo
e realizar-se como Espírito. “O que nasce da carne é carne; o que nasce do
Espírito é Espírito.” Mais tarde São Pedro explicou o sentido dessa passagem
dizendo: “Nascer novamente, não de semente corruptível, mas de semente
incorruptível, pela palavra de Deus, que vive e permanece para sempre.” O Guru é aquele que transmite a palavra de
Deus. O poder de Deus vem através da palavra, que é o mantra, e pelo mantra vem
o despertar do Espírito.
Na Índia temos o ideal do dvija, o nascido duas vezes. A palavra
dvija também significa “pássaro”. Em primeiro lugar surge o ovo. Depois do ovo
vem o filhote, que algum dia se desenvolverá em pássaro adulto. Nem todos os
ovos são chocados e nem todos os filhotes se tornam adultos. De modo similar,
nem todas as pessoas atingem a realização espiritual. As pessoas estão em
estágios diferentes de crescimento espiritual. Um verso sânscrito diz: “Pelo
nascimento natural um homem nasce como sudra,
que é uma pessoa ignorante; através de ritos purificatórios ele torna-se um
dvija, duas vezes nascido; pelo estudo e conhecimento das escrituras ele torna-se
um vipra, erudito ou poeta; pela
realização do Supremo Ser torna-se um brahmana,
conhecedor de Brahman.”
O propósito da iniciação espiritual
é capacitar a pessoa a tornar-se um verdadeiro brahmana, um conhecedor de
Brahman. Diz o Upanishad: “Aquele que deixa este mundo conhecendo o Imperecível
é um brahmana.” Swami Shivananda, um grande discípulo direto de Sri
Ramakrishna, disse-me certa vez: “Qualquer um que chegue a Sri Ramakrishna é um
brahmana.”
A iniciação espiritual permite que o
ser individual esteja em harmonia com o Supremo Espírito. Um sábio chinês
demonstrou o princípio da harmonia natural (Tao) desse modo: ele apanhou dois
alaúdes e afinou-os de maneira idêntica. Ele colocou um alaúde num quarto
adjacente e então tocou a nota kung no instrumento que segurava. No mesmo
momento a nota kung soou no alaúde que estava no outro quarto. Quando tocou a
nota chio no seu instrumento, a corda correspondente do outro alaúde vibrou,
porque os dois instrumentos estavam afinados no mesmo tom. Ao mudar os intervalos em um alaúde os tons
do outro ficavam dissonantes, fora do tom. O som estava lá, mas a influência da
nota principal havia desaparecido. De modo similar podemos ler, pensar e falar.
Mas tudo isso não terá valor algum a não ser que aprendamos a sintonizar nossas
almas com a Alma Superior, o Ser Supremo.
O poder da iniciação torna-se
manifesto apenas na alma pura que anseia intensamente por Deus. Patanjali
classifica os discípulos em três tipos: suaves
ou moles – que não conseguem suportar os rigores das disciplinas
espirituais; medianos – que se
esforçam com mais dedicação que os primeiros; intensos – que lutam intensamente pela realização, pois aprenderam
o segredo de retirar suas mentes das distrações exteriores e estão sempre
cônscios da Realidade Divina. Eles têm ainda um profundo anseio por Deus, que
deve ser considerado como um sinal da graça divina.
No princípio de minha própria vida
espiritual o caminho parecia muito difícil. Quando perguntei ao Swami
Brahmananda o que deveria fazer, sua resposta foi: “luta, luta.“ Não basta
receber instruções de um Guru; deve-se lutar sem cessar. O discípulo deve,
antes de tudo, querer de todo coração conhecer a Verdade. Para aqueles que
estão preparados para isso, o despertar pode chegar subitamente. Para outros
que estão lutando o despertar pode vir de modo gradual.
Quando nos encontramos num estado de
júbilo podemos transmitir esta sensação a outras pessoas. De modo similar, um bom mestre espiritual
pode comunicar vibrações espirituais para seus discípulos. Tive a oportunidade
de ver, em muitas ocasiões, os grandes discípulos de Sri Ramakrishna exercendo
esse poder. Eles eram como grandes armazéns de poder espiritual, mas o usavam
com muito cuidado. De modo geral, um guru transmite seu poder através de um
mantra.
O poder do mantra
Um discípulo
monástico certa vez perguntou ao Swami Shivananda: “Nem todas as pessoas conseguem o despertar
espiritual no momento da iniciação, mas mesmo assim elas são beneficiadas? O Swami deu a seguinte resposta: “Mesmo que
não tenham sentido nada no momento da iniciação, o poder do Santo Nome dado por
um mestre iluminado é infalível. O poder espiritual que ele transmitiu vai
atuar e, no devido tempo, transmutar o discípulo fazendo com que o seu despertar
espiritual venha a ocorrer. ”O que dizer sobre a iniciação dada por uma alma
avançada, mas não completamente iluminada? Pode comparar-se a alma comum
avançada com um veterano de uma faculdade, que mesmo antes de se formar na
universidade costuma dar instruções elementares aos seus companheiros, que
ainda não se encontram em sua classe. Da mesma forma uma alma avançada, à
medida que progride em direção da Verdade, pode esforçar-se em despertar a
consciência espiritual de outras pessoas. A iniciação espiritual dada por um guru
comum, que tenha avançado suficientemente na vida espiritual, com o decorrer do
tempo também promove o despertar do discípulo que segue com sinceridade o
caminho espiritual. O mantra ou Nome
Divino, contêm em si mesmo um poder tremendo. Sri Chaitanya nos dá o seguinte
ensinamento sobre essa verdade: “Diversos são Teus nomes que nos foram
revelados por Ti e nos quais infundiste Teus próprios poderes onipotentes, e
nenhuma limitação de tempo para recordar esses nomes foram determinados por
Ti.”
Patanjali,
falando sobre o efeito da repetição da sagrada sílaba OM e outros nomes santos,
diz que isso remove diversos obstáculos no caminho e conduz ao despertar do
Espírito interno daquele que realiza essa prática. Quais são esses obstáculos?
Enfermidades, dúvidas, perturbações mentais, etc. etc. A repetição do mantra
promove um novo ritmo, uma nova harmonia na personalidade, que acalma os nervos
e unifica os poderes da mente. E assim, no devido tempo, conduz ao despertar do
Espírito interno. Um principiante na vida meditativa pode não ser capaz de
compreender o poder do mantra, mas se o repete com sinceridade, gradualmente
realizará ou perceberá o seu poder. Swami Brahmananda costumava dizer: “Japa,
japa, japa! Mesmo trabalhando pratique
japa. Mantenha o nome do Senhor girando em meio a todas as tuas atividades. Se
puderes fazer isso, todo o sofrimento do seu coração será acalmado. Muitos
pecadores tornaram-se puros, livres e divinos ao tomar refúgio no Nome de Deus.
Tenha intensa fé em Deus e em Seus Nomes; saiba que não há nenhuma diferença
entre eles.”
Da mesma
forma que os santos já demonstraram no passado, também no presente comprovou-se
inúmeras vezes que o poder de Deus manifesta-se através do Nome Divino. Se o
mantra recebido do seu Guru é guardado pelo aspirante como um tesouro interno e
se meditar constantemente nele, o poder de Deus irá desenvolver-se cada vez
mais em seu interior. Sri Ramakrishna costumava comparar esse processo à
formação de uma pérola. De acordo com a crença popular, a ostra perlífera
espera até que a estrela Svati (Arcturus) esteja no ascendente. Se nesse
momento a chuva cair a ostra abrirá sua concha e apanhará uma gota daquela
água. Então mergulhará no mar e ficará ali durante vários meses até que a gota
de água seja convertida numa linda pérola. Da mesma forma, o coração do devoto
deve estar aberto à Verdade e depois de receber a instrução espiritual do guru,
deve trabalhar com muita dedicação para
que a pérola da iluminação espiritual desenvolva-se em seu interior.
A mente pura como Guru
Swami
Brahmananda costumava dizer: “Não existe maior guru que sua própria mente.” O
guru humano não está sempre disponível. Mesmo que tenhamos a felicidade de
termos recebido as bênçãos e instruções de um mestre avançado, ele nem sempre
está a nossa disposição quando precisamos dele.
Mas existe um mestre interno, a nossa mente purificada, que está sempre
presente dentro de nós. Diz Swami Brahmananda: “Quando a tua mente for
purificada pela prece e contemplação, ela te conduzirá a partir do teu
interior. Até mesmo em tuas atividades diárias, esse guru interno te guiará e
te ajudará continuamente até que o teu objetivo seja realizado.”
O que isso
significa? Como é que a mente age como guru interno?
O Ser Supremo,
fonte de todo conhecimento, o Mestre de todos os mestres, está sempre presente
dentro do coração de todos. Quando a mente é purificada pela vida moral,
oração, meditação, etc., ela entra em contato com essa Luz interna. A mente purificada torna-se um canal pelo
qual fui o conhecimento divino. Recebe direção espiritual diretamente do Mestre
de todos os mestres. Quando a mente abre-se para a Verdade Superior pode
receber instruções de muitas fontes. O
Bhagavatan fala sobre um Avadhuta, asceta errante, que aceitou muitos objetos naturais como seus
upa-gurus, ou mestres secundários.
Da mãe terra aprendeu o segredo da paciência; do ar aprendeu o desapego, pois o
ar permanece inalterado diante do cheiro agradável ou desagradável; do firmamento aprendeu a liberdade de todas
as limitações, etc.
Muitos de
vocês devem conhecer como o Irmão Lawrence atingiu a Iluminação. O místico
francês do Séc. 17, passou sua vida na cozinha de um mosteiro. A visão de uma
árvore sem folhas no inverno, despertou nele o pensamento de que as folhas
seriam renovadas e as flores e os frutos iriam aparecer novamente naqueles
galhos nus durante a primavera. Essa experiência revelou-lhe a presença e o
poder de Deus que está oculto em toda a criação. O despertar espiritual que ele
tivera naquela ocasião sustentou-o durante toda a sua vida. Em todos nós o
poder de Deus está oculto, aguardando o seu despertar. Temos que descobrir o
centro de consciência divina que se encontra em nosso interior e despertar o
poder que ali se encontra adormecido.
Foi esse guru interno que Buddha pediu para que os seus discípulos
seguissem após a sua morte. Ele lhes disse: “Sede uma lâmpada para ti mesmo.”
Mas devemos
ter o cuidado para que não venhamos a nos enganar a nós mesmos. Podemos pensar
que nossa mente tornou-se um bom guru e que estamos recebendo suas instruções,
mas existe sempre o perigo de tomarmos nossos próprios desejos e pensamentos
como inspiração divina, voz divina, etc.
Esse perigo não existe quando recebemos instruções de um mestre vivo,
espiritualmente avançado, e quando somos por ele guiados. O guru humano instrui
seu discípulo para que purifique sua alma pela prática de disciplinas morais e
trabalhos impessoais e desinteressados. Quando o discípulo erra, o guru percebe
o seu erro e o conduz novamente pelo reto caminho. Aqueles que tem a felicidade
de obter a direção de um verdadeiro guru humano não se desviarão do caminho. Gradualmente,
pelas bênçãos do guru, a faculdade oculta da intuição se desperta no discípulo
e se tornará o seu guru. Esse é o modo pelo qual a própria mente torna-se o guru
de uma pessoa.
Avatar – o maior dos
Mestres
O Avatar, ou a Encarnação Divina, é, com certeza, o maior de
todos os mestres e pode trazer a iluminação espiritual a milhares de pessoas. Swami
Vivekananda costumava dizer que o Avatar é aquele que pode alterar o destino
das pessoas, que pode apagar o que está escrito nas suas testas, isto é o seu
karma. Nenhum mestre comum tem esse
poder de transformação. Jesus tinha o poder de trazer luz divina àqueles
simples pescadores que atingiram a iluminação com o seu toque. Tinha também o
poder de transformar almas impuras, as quais o povo chamava de pecadores. Quando ele disse: “Teus pecados estão
perdoados; tua fé é que te salvou; vá em paz.”, de imediato eles ficaram livres
de toda impureza.
Mas mesmo
Jesus passou pela iniciação. Naquela cena de batismo, que ocorreu no Rio
Jordão, está escrito que os céus abriram-se e ele viu o Espírito de Deus
descendo como uma pomba que pousou em sua cabeça, ouvindo-se uma voz que disse:
“Este é meu filho bem-amado em quem me comprazo.” Nesses
tempos modernos um número cada vez maior de pessoas considera Sri Ramakrishna
como uma Encarnação Divina. Ele também recebeu iniciação de um mestre humano.
Foi-nos dito que antes de ele iniciar o seu trabalho como sacerdote no templo
de Kali, foi iniciado por um mestre
tântrico de Calcutá, de nome Kenaram Bhattacharya. Quando o mestre pronunciou o mantra em seus
ouvidos, Sri Ramakrishna deu um grito e ficou absorto em êxtase. Esse mestre
disse que havia instruído muitos discípulos mas jamais havia encontrado alguém
como Ramakrishna. Quando Ramakrishna iniciou Narendranath com o mantra de Rama,
as emoções espirituais do jovem discípulo foram elevadas a grandes alturas. Ficou
absorto durante várias horas num estado de êxtase. Mais tarde, esse discípulo
por sua vez tornou-se um dínamo de espiritualidade, conhecido como Swami
Vivekananda. Em 1892, um ano antes de ele vir à América, um professor agnóstico
de Madrás discutiu com ele sobre as verdades da religião. Com um simples toque
do Swami Vivekananda o professor foi transformado instantaneamente. Mais tarde
esse homem renunciou ao mundo e viveu e morreu como um santo.
Sri
Ramakrishna tinha o poder de elevar as pessoas a grandes alturas de consciência,
ao transmitir a energia espiritual com um simples olhar ou desejo. Swami
Shivananda narrou a sua própria experiência dessa forma: “Um dia eu estava
meditando quando o Mestre aproximou-se de mim. Quando ele olhou para mim eu
explodi em lágrimas. O Mestre ficou parado sem pronunciar uma só palavra. Tive
uma espécie de sensação de formigamento e comecei a tremer por completo. O
Mestre parabenizou-me mais tarde por ter alcançado aquele estado”.
Mais tarde o
próprio Swami Shivananda, como muitos outros irmãos discípulos, tornou-se um
mestre espiritual de grande poder e foi nessa época que eu o encontrei. Esse
poder manifestou-se nele ainda mais quando ele tornou-se o Presidente da Ordem
Ramakrishna. Em meados do ano de 1923 um aspirante espiritual de Sind veio ao
Swami em busca de iniciação. Ele tinha recebido um mantra em um sonho, mas como
não podia compreender o seu significado a sua mente tornou-se inquieta. Swami
Shivananda conduziu-o até o altar, deu-lhe a iniciação e pediu-lhe para que
meditasse por algum tempo. O Swami voltou então para o seu quarto com o rosto
radiante e sua mente dominada por uma grande emoção divina, pois ele sabia que
algo de grande significação estava ocorrendo no altar.
O discípulo teve uma experiência
maravilhosa. No momento em que recebeu o
Santo Nome, uma nova consciência espiritual despertou nele e lágrimas começaram
a rolar por seu rosto e sua mente entrou em profunda meditação.
Mais tarde o
discípulo dirigiu-se ao guru e disse-lhe que através da sua graça seu coração
estava cheio de paz divina e que o mantra que lhe foi dado durante a iniciação
era o mesmo mantra que ele havia recebido em sonho, mas que agora compreendia o
seu significado. Swami Shivananda então lhe disse: “Meu filho, foi o Senhor
mesmo que lhe abençoou hoje. Apenas Ele pode conceder misericórdia a outros.
Somos apenas instrumentos em Suas mãos. O Senhor se manifesta no coração do guru
e transmite poder espiritual para o coração do discípulo. Eu entreguei a sua
alma ao Senhor que agora tomou o encargo de sua vida e do seu destino”.
O Mestre Eterno
Há um ditado que o guru humano pronuncia um mantra no ouvido
do discípulo, enquanto que o Mestre do Mundo fala ao seu coração. A verdadeira
iniciação ocorre quando Deus desperta a consciência espiritual de um aspirante.
O Guru verdadeiro é o Deus imanente, o Supremo Espírito interno, que é o
“Objetivo, o Controlador, o Senhor, a Testemunha, a Morada, o Refúgio, o Amigo,
o Criador, o Protetor e o Destruidor do universo, o Repositório imutável de
todo conhecimento e sabedoria”.
Quando o
mestre comum e o discípulo se encontram, cada um procura ver Deus no outro. O
discípulo olha para o mestre como a manifestação visível do Espírito Supremo, o
Mestre de todos os mestres, como um canal para o fluxo da graça divina. É nesse
estado de espírito que ele o serve, obedece e adora. Os seguintes versos muito
conhecidos e repetidos por milhares de pessoas na Índia expressam essa idéia:
“Prosterno-me
ao Guru Divino que, pela aplicação do colírio do conhecimento, abre os olhos
daquele que se encontra cego pela doença da ignorância”.
Prosterno-me
ao Guru Divino que transmite ao discípulo o fogo do auto-conhecimento e queima
os laços do karma acumulado em muitos nascimentos.
Ofereço
minhas saudações ao Ser benéfico que está encarnado no Guru, a luz de cuja
existência absoluta brilha no mundo da aparência, que instrui seus discípulos
com o ensinamento sagrado, ‘Tu és Aquilo’, cuja realização concede à alma o não
retorno ao oceano de nascimento e morte”.
O jivatman, ser individual, é saturado e
interpenetrado pelo Paratman, o Ser
Supremo. Devido à ignorância, a alma não
realiza essa verdade. O propósito da iniciação é remover esse véu de
ignorância. Uma vez levantado o véu, o contato pode ser mantido pela prática
espiritual regular.
A velha lei
de troca também age na vida espiritual. Se um aspirante sente um tremendo
anseio pela luz da Verdade, essa luz deve vir a ele de uma ou de outra forma.
Algo lhe acontece, seu coração abre-se à graça divina e a luz divina derrama-se
sobre ele. À medida que ele se aproxima da Realidade Última, vê a luz do
Espírito Supremo brilhando em todos os seres. À medida que se une com o Eterno
Ser, o Mestre de todos os mestres, ele também se torna um canal de conhecimento
divino para outras pessoas. Serve a todos os seres sabendo muito bem que está
servindo apenas ao Senhor, o Eterno Mestre, que está sempre ensinando,
despertando, iluminando e guiando as almas através das idades.